terça-feira, 7 de julho de 2015

Não sou negra, mas...

NÃO SOU NEGRA, mas hoje foi um daqueles dias em que nos deparamos com a realidade a cada pessoa que encontramos no caminho. Morando nos EUA, eu descobri o racismo. Especialmente em Los Angeles, ser negro significa ter costumes muito diferentes do branco. A questão racial vai muito mais além da cor da pele. Aprendi também o significado de ser branco - white man. A ironia? Enquanto no Brasil eu sou branca de traços negros, aqui, sou negra de pele branca.
Nasci em uma família em que sou a única entre irmãos e primos que nasceu com um "balaio de maconha" na cabeça. Soa engraçado, mas naquela época eu nem sabia o que era maconha. Só sentia que algo estava errado e era ruim. Aos 10 anos decidi cortar meu “fuá” porque achava que assim ele iria ficar parecido com os cabelos das minhas amiguinhas da escola: liso. Que decepção! Desde de então, sempre mantive meu "tuim" preso. A única exceção era nas apresentações teatrais. Embora mainha sempre elogiasse meus cabelos, o mundo estava indo de encontro. Difícil competição.
Foi no primeiro ano na Universidade de Pernambuco, em Nazaré da Mata, que descobri que o universo era muito maior que o mundo do colégio. Lá se foram os anos em que me senti fora d’água. Mais negra se tornou esta ovelha. Os "toim oim om" conheceram liberdade pela primeira vez. E não parou por aí. Depois de alguns meses, cortei o "bombril". Só restaram as "pipoquinhas" no topo da cabeça. FREEDOM!
Aí chegaram as novas técnicas de alisamento: progressiva, inteligente... Não resisti. Por que você precisa ser muito forte para verdadeiramente compreender que o problema não é você, mas a ignorância que está ao seu redor. Tentei todas. Mas minha "vassoura" parecia mais com uma de piaçava. Cortei de novo por desespero. Foi pior! Fiquei parecendo com a "filha da empregada". Tentei mais uma escova para não me sentir tão rejeitada. Ficou até bonitinho. Parei também de aloirá-los. Após quase uma década, nem sabia mais qual era a sua cor natural.
Tudo começou a mudar quando mudei para Los Angeles. Por mais que as pessoas falassem o quanto que meus cabelos eram lindos, eu não me sentia em paz. Na chance que tive, alisei o "cabelo de nêgo". Com essa técnica eu podia ter os cabelos lisos que queria. UM MILAGRE! Algumas fotos no Facebook receberam quase 100 likes. Durante três anos fui ao mesmo salão a cada três meses para passar seis horas retocando as raízes. Renegando. No começo, tudo era novidade. Era lindo. Mas assim como namoro, depois de dois anos… Ou vai, ou racha! E um sentimento de aprisionamento começou lentamente a crescer dentro de mim.
Ao andar pelas ruas de LA, comecei a notar como eu parecia normal (o que é um problema). Passei a ver Pérola por todos os lados. Virei uma fórmula hollywoodiana! E nas entranhas (uma vontade de peidar da mulésta) uma angústia. Um sentimento de perda. Em um mundo tão diverso, antigo, como que dominante ainda é uma palavra tão onipresente? E a bicha é tão arraigada que o caba tem que ser muito forte não só para não se render como também não se tornar mais um opressor.
RELEASE THE KRAKEN!" -  cortei aquela porra. Mas não foi tão fácil quanto parece. Um processo. Um estica-e-puxa danado. Depois de meses no couro de pica, passei o facão sem pena (UI!). Ficou tão curto que dava para eu me passar por Justin Bieber do Nordeste. Queria tanto que esse sentimento sumisse que estava disposa a raspar a cabeleira (e olha que ainda o farei um dia). O sentimento de liberdade é inexplicável e louco ao mesmo tempo. A sensação era a de que eu estava dando uma mãozada na cara do povo besta.
“Tá feia, velha... Só falta aparecer agora com uma tatuagem e um piercing” - pois é! Li palavras como estas daqueles que mais sinto falta e de que mais amo. Aqueles que não tiveram a coragem de dizer diretamente, perguntaram “por quê?”. Ai! Esses foram os que mais magoaram. Eu sei. A tapa foi forte. Por outro lado, eu não estava buscando aceitação. Fiz por mim, para mim. E isso bastava. A parte feliz é que tiveram outros inúmeros comentários de parentes, amigos e colegas. I’M BACK BITCHES!
Visitei o Brasil alguns meses depois. A cabeleira já estava mais crescidinha. Como esperado, eu tive que lidar com as brincadeiras e comentários dos familiares. Porque em uma sociedade machista e preconceituosa como a nossa, a mulher tem que parecer uma boneca com cabelos longos, lisos e loiros, preferencialmente de olhos claros que só bebe campari e assiste comédias românticas. Mulher independente que tem opinião, bebe whisky e tem atitude “vai ficar para titia”. Enfim, esse é um assunto para outro dia. O fato é que não há um só dia em Los Angeles em que eu não receba um elogio de um estranho por causa dos meus cabelos - mulheres, crianças, idosos... Homens, então… “Delícia! Delícia!”. Os cachos são de fato dourados.
Hoje, foi um daqueles dias que nos deparamos com a realidade a cada pessoa que encontramos no caminho. “Seu cabelo é lindo” não foi tudo. Algumas chegaram a tocar como se estivessem em frente a uma peça rara e exótica. Mas os olhares… Esses falavam mais do que palavras. Há uma semana atrás foi a hora de dar um corte para meus cachinhos. Meu hairstylist recomendou um corte estilo anos 90. Topei o desafio. A surpresa foi perceber o mesmo corte de cabelo de 20 anos atrás. O cabelo não alisou, mas desta vez não houve decepções. Nada melhor que a oportunidade de voltar no tempo e vivê-lo à sua maneira.   


LINHA DO TEMPO




Um comentário:

  1. Linda de todas as maneiras! Parabéns por escolher agradar a si mesma antes de qualquer outra pessoa!

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